Sobre o lixo que o Bicho Homem leva para o Pantanal
João de Deus Souto Filho Chora Tuiuiú, Curicaca, Conselheiro. Chora Saracura, Juçanã, Gavião Caramujeiro. Chora Capivara, Macaco-Prego, Veado-Campeiro. Chora Arraia Prateada, Pacu, Bagre, Pintado faceiro. Chora eu, Chora você, Por todo esse lixo Espalhado... O rio, cadê o rio No santuário encantado? Quem trouxe tanta sujeira
Que vejo por todo lado? Seria a brisa pantaneira, Seria o mar do passado? Chora eu, Chora você, Por todo esse lixo Espalhado. O verde, cadê o verde Dessa mata imaculada? Quem trouxe para essas margens Tanto vidro, tanta lata? Seria a chuva torrente, Seria essa correnteza? Ou seria essa rica gente De lancha e bela viseira? Chora eu, Chora você, Por todo esse lixo Espalhado.
A trilha, cadê a trilha, Dantes virgem, Sem desbastes? Quem repisou estas flores, Quem quebrou mais esse galho? Seria a mãe sucuri Que se arrasta com cuidado? Ou mesmo o bicho-preguiça Que segue no lento passo? E a água cristalina, De muitos tempos passados,
Quem é mesmo o responsável Pelos lagos contaminados? Seria a Coruja Buraqueira Ou o pequeno João-de-Barro? Diz a canção pantaneira: "Chalana, velha Chalana, Leva por essas águas Esse meu grito de dor Quando vejo tanta gente Deixando as suas sujeiras Nesta savana multicor." Quem sabe um dia o turista Possa vir a compreender Que mais vale a terra limpa
E a boa água de beber Do que o lixo espalhado Por toda essa ribanceira Que faz desse vale encantado Uma verdadeira lixeira. Pantanal da minha vida, Meu gavião dourado. Periquito está chorando Lá no alto da palmeira, Olha triste, acabrunhado, Para essa grande sujeira.
Até a onça pintada Vai pro meio da estrada: Quer olhar no fundo do olho Desse bicho que se espalha Trazendo pra nossa terra Seus lixos, suas tralhas. E os deuses da verde mata, Guardiãs dessas riquezas, Vestem luto, ficam mudos, Com toda essa desgraçeira. Chora Jacaré ligeiro, Tamanduá Bandeira. Chora eu e o mundo inteiro Por esse desastre pantaneiro. Meu filho também suspira,
E me pergunta indignado:
Que herança me deixaste Nesse Pantanal amado? O rio, cadê o rio, Que antes trazia vida ?
A mata, cadê a mata, Tão viçosa de outrora? Cadê o canto das aves Que embalava o meu sono? Responda meu pai querido, Por que permitiste isso? Chora o povo da floresta, Chora mãe d'água encantada,
O choro dos condenados. Aquele choro doído Por ter seu corpo violado. Quem será o "gran Juiz" Dessa peleja desigual?
Não sei, nem mesmo imagino
A quem caberá a decisão De por fim a essa maldade. Tenho, porém, no meu peito Uma única e grande certeza: No dia do Gran Juízo, Ao homem será cobrada
A conta por tudo isso
Nessa hora, nesse dia Este ser racional Reconhecerá seus erros Cometidos no Pantanal.
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